Ensino de Inglês: Gramática Normativa e Gramática de Uso

Dias atrás fui contatado por um repórter da Gazeta do Povopara falar sobre metodologias e abordagens no ensino de língua inglesa. Durante mais de vinte minutos conversamos sobre algumas diferenças entre ensino de crianças e adultos, beginners e false beginners, ensino em escolas de idiomas e em institutos bilíngues, etc.Achei interessante a ideia do folhetim. Afinal, seria um minúsculo feixe de luz no fim do túnel para os seus leitores em se tratando de escolher uma escola de idiomas. No entanto, ao ver o jornal fiquei estupefato! Nada [

ou quase nada] do que eu havia dito foi publicado ou aproveitado pelo jornalista. Para piorar tudo, o foco central da matéria era o ensino de gramática.Fiquei extremamente chateado pois em momento algum fui questionado sobre o ensino de gramática da língua inglesa. Portanto, diante do que foi exposto na matéria ‘Falar é Preciso‘ decidi escrever um texto e enviar ao jornalista confiando que ele faça algumas correções em uma próxima edição do jornal. Para que todos entendam minha opinião segue abaixo o texto enviado a ele. Reconheço que o texto é longo; portanto, espero que não se canse de ler. Comentários são bem vindos.

Ao abordarmos a gramática no ensino de língua inglesa é de fundamental importância ressaltar a diferença entre Gramática Normativa e Gramática de Uso. Infelizmente, muitos linguistas e professores de inglês esquecem [ou não sabem sobre] esta diferença e acabam dando informações equivocadas, que não refletem o que os especialistas dizem. Logo, compreender esta diferença evita a ocorrência de interpretações errôneas e a difusão de um conceito simplista e preconceituoso da máxima “não ensinar gramática”.

É essencial ter em mente que a Gramática Normativa é a gramática do conjunto de regras e termos técnicos [metalinguagem] usados para descrever a língua de modo mecânico. Quando falamos em gramática as pessoas logo pensam nesta gramática; pois para elas é a única gramática que existe. Adianto aqui que e contra o ensino exaustivo e precoce da Gramática Normativa [regras + metalinguagem] que algumas metodologias e abordagens de ensino pregam.

Muitos renomados estudiosos [autores, teacher trainers, pesquisadores] como Jeremy Harmer, Scott Thornbury, Dave Willis, Michael MacCarthy, etc dizem que o ensino excessivo deste tipo de gramática prejudica a aquisição da fluência. O próprio Raymond Murphy, autor das gramáticas mais vendidas no mundo, disse em uma entrevista que ele mesmo não é tão fã da gramática em si própria; para ele há algo a mais que a simples e pura gramática [normativa].

Este algo a mais é o que podemos definir como Gramática de Uso. Esta gramática refere-se modo como a língua é usada no dia a dia por qualquer falante nativo de um idioma. Ou seja, é a gramática natural, adquirida com a vivência na língua e com a exposição a ela. Ao nos comunicarmos fluentemente em uma língua fazemos uso da Gramática de Uso. Afinal, não pensamos nas regras e tecnicismos ao longo do dia.

Para compreender isto cito aqui a famosa sentença ‘the book is on the table’. A grande maioria da população brasileira conhece esta sentença de cor. No entanto, as pessoas não sabem a resposta para as seguintes questões:

  1. Onde está o verbo ‘to be’ e em que tempo verbal ele está conjugado?;
  2. Por que usamos a preposição ‘on’ e não ‘in’ ou ‘at’?;
  3. Por que usamos o artigo definido no início da sentença?;
  4. por que as palavras estão dispostas na ordem em que estão?

Isto serve para provar que as pessoas simplesmente aprendem a expressão ‘the book is on the table’ devido à frequente exposição a ela, ao ‘uso natural’ que fazem dela [mesmo que em tom de brincadeira]. Ou seja, as pessoas aprendem a sentença e a sua gramática natural [adquirem, portanto, a Gramática de Uso]. Ninguém a adquir por conta da análise técnica feita através de conhecimentos profundos da Gramática Normativa.

Obeserva-se, portanto, que a Gramática de Uso é adquirida naturalmente sem que haja a necessidade de expormos alunos e alunas às ‘chatices’ e ‘decorebas’ de regras e termos técnicos [ou seja, Gramática Normativa]. Compreender isto [no ponto de vista científico e de ensino] é fundamental para evitar pensamentos equivocados em relação ao ensino da língua inglesa mencionados logo no início da matéria:

  • Falar e compreender chegam na frente das normas cultas da língua
  • Gramática só depois, e ensinada na prática

O correto seria dizer que ‘falar e compreender chegam na frente da decoreba da Gramática Normativa’, gramática esta que será ensinada mais à frente quando o aprendiz tiver material linguístico o suficiente para ele seja capaz de analisar a língua tecnicamente [entender e aplicar conceitos próprios da Gramática Normativa].

Este processo é o mesmo que ocorre na aquisição e ensino da língua portuguesa. Antes de entrarmos na escola aos seis|sete anos de idade somos capazes de nos comunicarmos e fazermos uso da língua como a ouvimos [adquirimos] até aquele momento da vida [a Gramática de Uso está internalizada em nossa memória, falamos português naturalmente]. Ao entrarmos na escola passamos, então, a ter contato com os tecnicismos [a Gramática Normativa] da língua portuguesa. Aos poucos, tornamo-nos capazes de analisar a língua tecnicamente. Como possuímos conhecimento de uso da língua [sabemos nos comunicar, expressar ideias, somos fluentes, etc] temos então como comparar o que adquirimos até aquele momento com as regras e termos técnicos aprendidos na escola.

Em se tratando de inglês, podemos afirmar que é possível ensinar a norma culta da língua inglesa sem que haja a necessidade de ensinarmos regras e termos técnicos [Gramática Normativa] próprios língua inglesa. Note que ‘norma culta’ e ‘Gramática Normativa’ são também tópicos distintos nesta discussão. Para evitar má interpretações, devo dizer que isto não significa que o aprendiz será exposto a construções gramaticais erradas, ao famigerado inglês macarrônico e coisas do tipo. O aprendiz adquirirá [em sala de aula, através da exposição natural á língua e com apoio profissional] um sistema gramatical correto e aceito por todos os falantes nativos da língua inglesa em contextos formais, neutros ou [extremamente] informais.

Portanto, anotem aí que quando falamos que em certa abordagem não ensinamos gramática, estamos nos referindo à Gramática Normativa. Esta gramática poderá ser inserida em curso de idiomas conforme o aprendiz for adquirindo capacidade de analisar o que sabe e o que usa com os tecnicismos da língua inglesa. No entanto, isto não significa que o aprendiz adquirirá coisas erradas em detrimento de um ensino fraco e agramatical. Muito pelo contrário! Para os especialistas este tipo de ensino – sem os excessos da Gramática Normativa – pode ajudar e muito na aquisição de fluência em um curto espaço de tempo e na compreensão da mecânica natural de uso da língua.

Para saber mais sobre esta discussão, veja o capítulo 04 do livro ‘Inglês na ponta da Língua – método inovador para melhor o seu vocabulário’ e também o postPor que não sou tão fã de gramática?‘ publicados neste blog. See ya! take care!

5 Comentários

  1. Olá Denilso,Acompanho o seu blog sempre e devo dizer que é de grande ajuda. Então, antes de tudo, obrigado por tê-lo iniciado e o mantido até agora.Uma coisa que gostaria de comentar: você sempre se refere à 'gramática normativa' como 'regras + metalinguagem'. Como eu estudo linguística já há algum tempo, posso dizer com alguma segurança que este termo está sendo usado de forma um tanto errada.'Gramática normativa' diz respeito só ao caráter especificamente normativo da gramática tradicional. Coisas como "não se deve iniciar sentenças com um pronome oblíquo". A gramática normativa utiliza a metalinguagem tradicional, mas esta não se inclui naquela. É possível ter gramáticas normativas sem a exposição de uma metalinguagem ao seu lado, como é o caso de um manual de redação (vide o de Eduardo Martins), e é possível uma gramática descritiva sem normativismo. 'Gramática descritiva' inclui coisas como "toda sentença tem verbo".Basta dar uma olhada, por exemplo, na pág. 109 da Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, em que se inicia a parte de "Gramática normativa e descritiva", o que mostra que as duas coisas não são iguais. O conjunto delas, geralmente, leva o nome de 'Gramática Tradicional'.Mais uma vez parabéns pelo ótimo Blog.Leandro

  2. Olá Leandro,Obrigado por seu comentário. No entanto, devo dizer que em se tratando de estudos em linguística vários autores [Britto, Bortoni-Ricardo, Neves, Perini, Possenti e tantos outros] o termo Gramática Normativa [e ainda outros nomes] refere-se às regras da língua considerada correta e por força do hábito a tal linguagem técnica que intitula a própria regra.Ou seja, quando alguém [gramático] diz "não se deve iniciar sentenças com um pronome oblíquo", isto é uma regra e para definir esta regra ele dá o nome de Colocação Pronominal [próclise, mesóclise e ênclise]. Como a regra está geralmente ligada ao termo técnico que a identifica no mundo gramatical, muitos dizem que termos técnicos para falar da língua [metalinguagem] + a regra em si = Gramática Normativa.Reconheço que há várias discussões sobre isto. No entanto, no ensino de segundas línguas, nós geralmente definimos a Gramática Normativa da forma como sempre descrevo e defino aqui no blog [autores: Lewis, Thornbury, Harmer, Swan, Biber, Willis, Schmidt, Scrivener, etc] . Em meus livros e artigos faço a mesma coisa. Em mesas-redondas e debates também utilizamos a mesma definição. Logo, no ensino de inglês mantemos esta lógica [Gramática Normativa = regras + termos técnicos (+ ou – metaliguagem)].Estendendo o assunto um pouco mais, tenho de dizer que concordo com você e com outros estudiosos que o termo 'metalinguagem' não pode ser usado de modo simplista, vago e generalizado em muitos casos. Afinal, para falar da língua eu preciso usar a própria língua, logo a metalinguagem no sentido mais amplo ocorre, esteja eu falando de teoria [regras] gramaticais ou não.Será que deixei isto claro?

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